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Psicoterapia, psicodrama e psiquiatria clínica. Formas para todos os mundos

Laing (1972) coloca-nos uma pergunta radical acerca da possibilidade de ser pessoa, do cumprir-se enquanto pessoa nos tempos actuais. Pergunto se esta impossibilidade radicará no cansaço para o mundo dos objectos exotéricos e na posição redutora de procurar cansaços no exercício da semiologia médica estrita e de os localizar (neste excesso localisacionista, redutor e simplista trazido da medicina geral para a psiquiatria), num qualquer órgão ou sistema neurobiológico.

Falta, ao momento actual, a aprendizagem de ver (uma tarefa básica na aprendizagem ao ser pessoa) o que para Nietzsche significa “acostumar o olho à serenidade, à paciência, ao palatino aproximar das coisas”, à visão lenta e (a)morosa. Ora, esta posição contemplativa do olhar (comportando, é certo, o risco de estar em relação), promove uma contracção/redução do EU e possibilita um “entre”, que considero encerrar uma entidade intersubjetiva nova, que se realiza/reactualiza noutra intersubjectividade (para Moreno, o homem sozinho é uma impossibilidade).

Este “entre”, é assim um espaço de empatia onde ninguém e nada domina, ou sequer predomina (reunião do tudo co-existente), onde o tempo se concentra no presente. “Daimon” dos clássicos gregos, lugar intermédio entre os deuses e os homens, lugar fecundo, apaziguador, onde o tempo se contrai no presente. Pressupõe um abandono da inautênticidade, um cansaço sem mundo, um cansaço por esvaziamento do eu. Penso que é diferente, apesar de tudo, do cansaço depressivo do eu…

Fundamentalmente, a resistência à vida accionada, sem tempo para a diástole, num registo de hiperactividade e de impulsos de primeira linha (diria “tralha” à superfície da mente), num quadro de resposta inautêntica, às vezes paranóide, mas sempre expressão de declínio da alteridade e com sofrimento mental mais ou menos especifico, é basilar (e chão) num processo terapêutico. “O individuo vê e é visto, toca e é tocado”. Moreno vai ao “accionismo heróico” de Heidegger, mas situa a primeira acção (heróica) do homem, no seu nascimento, no acto de (re)nascer.

O psicodrama enquanto psicoterapia individual em grupo, cozinha tempos de açao e de contemplação (de fluir contemplatório), sobre o enformado vivencial (por exemplo, a vivência do silêncio em grupo, ou do silêncio contigo), propício à resistência ao impulso e por essa via, à atenção profunda e contemplativa, capacidade vedada ao ego hiperactivo /expansivo, diria, próprio ao caldo cultural vigente.